É possível viver sem ler?
Alguns saberes sobre leitura em sete pequenas liçõesOlgair Gomes Garcia que viveu diversas experiências ensinando, aprendendo, coordenando, assessorando, pensando, sentindo, refletindo e fazendo sua prática, sobre o que pensa a respeito de questões básicas da leitura. Vejam o que ela respondeu.
Olgair,
1.É possível viver sem ler?Eu penso que não, principalmente quando se entende que ler não é só ler coisas escritas fazendo uso do alfabeto. Uma pessoa muito curiosa está lendo o tempo todo e, quanto mais curiosa, melhor leitora é porque lê de tudo, as coisas do mundo e os livros, jornais e qualquer material onde está escrito ou representado algo. Por isso eu acho impossível me imaginar ou imaginar alguém que não lê. Acho que a curiosidade é o primeiro impulso para sentir a necessidade de ler e correr atrás para aprender e dominar.
2.Há regras precisas para se ensinar e aprender a ler?Ler e escrever fazendo uso do alfabeto é algo que requer tanto entender o mecanismo desta combinação de letras e sons para produzir palavras, textos como, sobretudo, procedimentos para aprender a gostar de ler. Se a gente aprende a gostar de ler acho que este é o principal caminho para querer entender as regras ou normas da leitura para desenvolver a habilidade de ler melhor e poder desfrutar melhor da leitura.
3.Por que as pessoas dizem que “não leem porque não têm tempo”?Se o gosto de ler vem na frente, a questão do “não ter tempo para ler” vai ficando cada mais esquecida. Claro que, para quem descobriu o prazer de ler, o desejo de querer ler mais fica sempre prejudicado, mas isso é bom porque assim ele permanece sempre muito vivo e presente na nossa vida, sempre dando uma “cutucadinha” para não ser abandonado ou esquecido. Como é bom ver o gosto de ler vencer a briga com o argumento da falta de tempo! É bom porque o vitorioso é a gente mesmo.
4.Qual o melhor lugar e o melhor horário para ler? Eu não saberia dizer se há um lugar e um horário melhor para ler. Por exemplo, se o que está mexendo com o meu desejo de ler é um livro que eu descobri na estante da escola, numa livraria, na minha casa, na casa de amigos, ter o livro em mãos é o mais importante. Daí talvez, encontrar um lugar e/ou um horário pode ser um detalhe que pode colaborar para um desfrute melhor da leitura; este detalhe pode ajudar a tornar o livro mais apaixonante, mais saboroso.
5.O que pode e o que não pode ser lido?Quando eu era adolescente, minha madrinha, preocupada com o tipo de lei- tura ao qual eu me entregava – revista em quadrinhos, revistas com contos de amor, romances adocicados demais –, decidiu me presentear com a coleção do Monteiro Lobato com a clara intenção de colaborar para a mudança do material que eu lia. Claro que eu detestei a intromissão e só depois de adulta eu vim a me conciliar com os livros do Lobato. Penso que é preciso ter muito cuidado com proibições ou permissões sobre leitura. Neste sentido, atitudes moralistas ou preconceituosas do adulto em relação à criança ou adolescente podem produzir efeitos desastrosos para a aprendizagem do gosto de ler.
6.Um leitor crítico, criativo e autônomo se faz ou nasce feito? Este talvez seja o aspecto no qual a escola, através dos professores, pode desempenhar um papel fundamental na formação de bons leitores. Um ensino bem orientado para a descoberta do prazer de ler e para o desenvolvimento de habilidades de leitura pode, sem dúvida, ajudar significativamente para apropriação deste grande bem, ou melhor, direito, que é a apropriação da leitura e da escrita no mundo atual. Aprender a descortinar o significado e tudo o que se pode conseguir e fazer utilizando-se da leitura é algo que não se consegue explicitar na sua exata dimensão. Talvez seja o próprio sentido de se saber vivo e pronto para continuar vivendo prazerosamente.
7.Quem é responsável por estimular crianças e jovens para ler?A família, a escola, a biblioteca, a cidade, a sociedade? No meu caso em especial, a paixão pelos livros e o desejo de querer conhecer e descobrir o que está aí no mundo foram plantados dentro da minha casa pelos meus pais e, sobretudo, pelas minhas irmãs bem mais velhas que eu. Mas isto é apenas um detalhe, porque a escola, a biblioteca, a cidade podem perfeitamente criar uma dinâmica que mobilize a todos, crianças, jovens, adultos, para o cultivo da paixão pelos materiais de leitura. E a paixão explode quando se tem oportunidade de descobrir, conhecer, olhar, explorar, reinventar, imaginar outras possibilidades, estabelecer cumplicidade, criar vínculos, levar para casa, levar para compartilhar a própria vida.
Olgair Gomes Garcia, doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professora universitária e coordenadora pedagógica da EMEF Mauro Faccio – Zacharia.